8 de novembro de 2012

As benções do meu avô


BS”D
Quando começou o Shabat, fui até a estante procurar um livro que me contasse uma história ou que simplesmente fosse mais “light”. Arrumei os livros e separei um para ler, como faço todo Shabat. Peguei um livro chamado “As benções do meu avô”, de Rachel Naomi Remen. O que me fez comprar este livro provavelmente uns oito anos atrás eu não lembro. Com certeza deve te sido a título. Criada e educada pela minha avó, com saudades e tudo o mais, o nome do livro deve ter me chamado a atenção. Verificar que a autora era judia deve ter sido o martelo para a compra e leitura do mesmo.
Bem, hoje o reli. A autora é uma médica que aconselha pacientes com câncer ou terminais e mescla em suas narrativas, estórias de seus pacientes, de sua família aos ensinamentos de seu avô, um rabino ortodoxo originário da Rússia que migrara com a família para os USA no início do século XX, em decorrência dos pogroms no Leste Europeu.
Se no texto anterior eu falei sobre o processo de teshuvá, este fala mais sobre este retorno de uma forma mais prática.
Eu comecei minha teshuvá quando voltei da minha primeira viagem a Israel. Em algum momento, comprei e li este livro e eu lembro que chorei muito e muito sentada no chão do meu apartamento, pedindo perdão à D´us e à minha avó. D´s me colocou no mundo com algum objetivo que aquela altura eu tinha me distanciado, e eu tinha certeza que tinha envergonhado minha avó que tinha me educado para ser este ser que D´s queria. E, ela ao lado de D´s, devia estar envergonhada. Eu chorava, pedia perdão e prometia nunca mais fazer nada do que fizera até então e que honraria sua memória.
A vida depende de nossa lealdade.
Minha avó é uma das almas que sobreviveram ao Holocausto, saíram de onde viviam e tiveram que iniciar suas vidas em países distantes e diferentes. Meus avós vieram para o Brasil aconselhados por um cunhado da minha avó, que veio para cá antes. Meus avós saíram dos campos de concentração e foram para a Itália. De lá, vieram para o Brasil. Alguém já parou para pensar como estas pessoas possuem almas elevadas, como são pessoas sábias? Eles passaram o horror numa guerra mundial, tiveram que se mudar para países onde nem sequer falavam a língua. Constituíram família, trabalharam, criaram seus filhos. E nesta educação nunca esteve presente o sentimento de ódio ou vingança.
Eu posso falar disso com propriedade, pois minha avó nunca me passou estes sentimentos, nem nas inúmeras vezes em que contava suas experiências durante a Shoá. Estas pessoas souberam abençoar a vida e escolheram viver.
Logo no começo, a autora relata: “Quando eu era criança, parecia estar presa entre duas visões totalmente diferentes da vida: meu avô e seu sentido da natureza sagrada do mundo, e meus tios, tias e primos e sua postura altamente acadêmica, voltada para a pesquisa”.
Muitas vezes, para agradar a sociedade, ao mundo, ou mesmo aos nossos pais, nos transformamos em pessoas diferentes de nós mesmos. Outras vezes, isto é parte de uma defesa contra o mundo que adquirimos. A verdade é que em algum momento temos que escolher sobreviver ou viver.  E eu estava disposta a escolher a vida.
“Quando não vivemos de maneira coerente com nossos próprios valores, alguma coisa dentro de nós começa a se corroer”
Então, quando eu sentei no chão do apartamento e chorei, eu queria mais do que tudo deixar de viver na defensiva. Deixar de ser uma criação de mim mesma. E, B”H, consegui. Comecei algo que não terá fim nunca: estudar Torá. Procurei uma rabanit para me ensinar o que eu não tinha aprendido e me ajudar nesta trajetória da teshuvá. Minha avó não estava mais entre nós, ela faleceu em 1991. Desde que ela morreu, ninguém mais me chamou de “mine sheine meidele”.
Como escrevi no outro texto, quando decidimos fazer teshuvá e viver judaicamente, ou seja, viver como nascemos para viver, não devemos teimar em trilhar os mesmos caminhos que trilhávamos outrora. Tem uma história que fala sobre isso. Diz assim: Era uma vez uma rua, não vi o buraco e cai. Fiquei muito tempo ali até que consegui sair. Depois, passei pela mesma rua, cai no mesmo buraco. Demorei menos tempo para sair. Peguei outra rua.
Fiz isso diligentemente durante oito anos. Não sei porque nem o que me levou a pegar esta “rua” novamente. O fato é que achei que poderia passar sem sequer me importar com o buraco. E, realmente, não vi nem cai no buraco, mas quando já abandonamos determinadas estradas e comportamentos, quando o trazemos de novo para nossa vida, eles machucam nossa alma. Nosso corpo fica intacto com esta derrapada, mas nosso ser nem tanto. Em determinado ponto de nossa subida espiritual, sabemos e sentimos o que nos faz bem e o que D´s proíbe para nós porque não faz parte da Vida como Ele nos outorgou.
Hoje, mais de um ano após ter abandonado esta rua, consegui enfim abandonar o rancor. Que muitas vezes era muito mais contra mim mesma que pelo outro. De qualquer forma, hoje me sinto como minha avó gostaria de me ver. Hoje, consegui sentir meu colo e deitei minha cabeça nele esperando e recendo seu carinho.

Marcella Becker Warszawski – 16/outubro/2011 (ec)
Em leilui nishmat de Raisel bat Yankel, Moses ben Mendel, Sara bat Yankel, Sara bat Yankel e Ester bat Yankel


Nenhum comentário:

Postar um comentário